quinta-feira, 17 de junho de 2010

Droga não é demônio.

Então por que é tratada pela sociedade como se fosse?


Eliane Brum



É possível que nunca tenha se falado tanto em drogas como hoje, pelo menos como caso de polícia ou de saúde pública. Nos anos 60, quando as drogas faziam parte do movimento de contracultura, o olhar sobre elas e a função que desempenhavam era outro. E os “malucos beleza” eram vistos de forma muito diversa dos consumidores de crack de agora. A própria diferença de linguagem é reveladora, já que antes se “experimentava” drogas, com a ideia de ampliação de consciência – e hoje se “consome”, como tudo. Um verbo expressa uma vivência – outro o uso. O que mudou, para que o crack tenha se tornado tema de campanha eleitoral, assunto para candidatos à presidência do país?

Ao acompanhar o debate travado em várias instâncias, me parece empobrecedor que um tema tão amplo e cheio de nuances seja reduzido a apenas dois discursos, duas maneiras de olhar: ou é caso de polícia/segurança ou é caso de saúde pública – ou de ambos. Será que estas duas abordagens – repressão e cura – dão conta da complexidade da questão? Desconfio que não.

Por outro lado, me parece bastante curioso que o debate sobre as drogas ilegais atinja esse nível de decibéis justamente numa época em que há um consumo massivo de drogas lícitas, na forma de antidepressivos, ansiolíticos e hipnóticos, receitadas por médicos das mais variadas especialidades. Drogas para ser feliz, para ficar calmo, para dormir. Sem contar as drogas para perder o apetite e aumentar o desejo sexual.

Por que algumas se tornam um problema e outras são vendidas como solução? Quem determina o que o indivíduo pode consumir? E com quais argumentos? E por que aquela que possivelmente seja a droga que causa mais estrago na nossa sociedade – o álcool – é abordada com muito menos estridência?

Ao acompanhar o debate, me chama a atenção o fato de a droga ser encarada como uma espécie de alienígena, desenraizada da sociedade em que é usada e produz sentidos. É como se ela fosse um demônio ou um vírus que entra no corpo à revelia de todo o contexto – desligada de tudo e de todos. E que bastaria ou exorcizá-la, do ponto de vista religioso, ou extirpá-la, no campo da medicina, para que o problema acabasse. Ou ainda reprimir, na visão policial.

Parece que não é tão simples assim – ou o problema já seria menor. Se os mais diversos tipos de drogas sempre foram usados por todas as sociedades, em diferentes momentos históricos, por que a nossa não consegue lidar com elas? Será que não valeria a pena, além de reprimir e tentar “curar”, pensar um pouco mais nos porquês?



É exatamente por ser uma questão que produz muito sofrimento é que acho importante refletirmos sobre ela com mais amplidão – e alargar nosso campo de visão. Em busca de respostas – não definitivas, mas possibilidades de respostas –, procurei o psicanalista Eduardo Mendes Ribeiro. Ele é membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (Appoa), mestre em Filosofia pela PUC/RS, doutor em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e consultor do Ministério da Saúde na Política de Humanização do SUS. Estuda o tema das drogas desde os anos 90 e tem vários artigos publicados sobre o assunto.

Nesta conversa, ele nos ajuda a pensar sobre uma questão tão crucial – para além dos estereótipos.

Leia mais:

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI147338-15230,00-DROGA+NAO+E+DEMONIO.html


ELIANE BRUM
ebrum@edglobo.com.br
Jornalista, escritora e documentarista. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo).

Um comentário:

Roberto Tramarim disse...

Excelente texto, parabéns!
Disse tudo o que eu queria dizer sobre o assunto. Não faço apologia e nem recomendo o uso de qualquer droga, mas é gritante a hipocrisia social no assunto "drogas", além disso a atual política de combata contra as assim chamadas drogas ilícitas se mostrou nas ultimas décadas um verdadeiro fracasso.